quinta-feira, 28 de agosto de 2008

MEU QUERIDO BAR

E está tocando samba. Um samba moderno, mas não deixa de ser samba. Não ouço samba, não compro CDs de samba, não ganho CDs de samba, não tenho CDs de samba; mas esse bar é tão bom. O bar tem samba, e eu não gosto de samba. Mas o bar tem cerveja, tem cigarro, gente bonita e seus risos, tem alegria. Tem energia, pessoas extraordinárias frequentam o bar, gente com essência. Chego até a gostar do samba.

Antônio Prata comentou que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando levamos moça ou outra pra sair, pra namorar, levamos em lugar fino, onde o prato é caro só porque o nome é esquisito. Alguns têm até gosto de cocô, eu digo, mas o lugar é chique. Meio intelectual, meio de esquerda, gosto mesmo é de ser meio vagabundo. Não vou querer sair daqui se aqui tem a melhor batata frita da cidade. Melhor até que de bar chique, porque existe bar chique. Chatos que só eles, cheios de gente metida e quase uma passarela de desfile de moda. Bar assim não tem a mão da tia, não tem o carinho. Dá vontade até de ir lá na cozinha fatiar a batata e jogar conversa fora de tão em casa que a gente se sente. Bar é lindo!

Mas o bar em si de belo não tem nada. A decoração praiana em pleno centro da cidade até que é atraente, mas tem mesas, cadeiras e gente, como todo bar qualquer. Chega até a ter samba, forró. Mas e o que é que tem? É lindo.

Assim é o amor.

Pode não ser o bar mais bonito, pode não ser o bar mais popular. Dia ou outro pode não ser tão emocionante como se esperava. Pode até ser prejudicial no caso de uma bebedice exagerada. Tem vez que chega-se a jurar nunca mais entrar no bar. A saudade dói quando a grana falta. Pode ter samba, forró, isso ou aquilo, mas o bar sempre estará lá e sempre será aquele mesmo bar: lindo e repleto de bem-estar. E toda vez que se passa em frente dá vontade de entrar pra tomar uma cervejinha.

Suelen é meu bar.


Blumenau, 27/08/2008.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A Afinidade

É tão curiosa a afinidade entre seres humanos. Me emociona escrever esta frase. Hoje um fato inusitado me ocorreu:

- Que bom encontrar você, menina misteriosa que tanto admiro.
- Puxa, assim até fico encabulada. Mas você também é um tanto misterioso. Dá aquela vontade de desvendar.
- Uau! Aí está algo que nunca me haviam dito antes.
- Imagina. Uma vez estava observando você costurar um patch na sua jaqueta. Rapaz prendado. Em outra ocasião fiquei a ouvi-lo cantar na casa de uma amiga. Sabe quando bate aquela vontade de conhecer?
- Nossa! Você estava lá? Minha vez de ficar encabulado. Não sabia dessas cosias. Faz tanto tempo! Mas também sempre tive vontade de te conhecer.
- Legal! Então é recíproco.

Ah, e é mesmo. Mas isto é muito curioso, como vinha dizendo. Não sei quase nada a seu respeito. Tudo o que sei é que não tem nada a ver comigo. Ela gosta de coisas antigas. Veste paletó, no maior estilo anos 60 e aprecia o bom e velho rock'n roll com influências do punk setentista. Sou tão contrário a ponto de ser vocalista de uma banda que toca um som que sequer é difundido no Brasil. A arte mais antiga que aprecio - você já sabe - são as crônicas de Rubem Braga dos anos 30, principalmente. E ele era um boêmio que gostava de samba. A única coisa que eu e ela temos em comum é a apreciação pela leitura. Mas, provavelmente, não lemos as mesmas coisas.

Então, de onde vem isto, esse anseio todo em conhecê-la? Até propus um dia sentarmos para conversar. Isso antes de cair a ficha: o que direi a ela? Mas adoraria tê-la aqui ao meu lado no bar.

Continuo me fazendo a mesma pergunta. Talvez seja apenas curiosidade, mas duvido plenamente. Dizem por aí que os opostos se atraem. Não sei. Acho uma bobagem que criaram a partir da Física, ou de pilhas alcalinas.

(...)

Mas espere. Deixe-me tentar um exemplo:

Suponho marido e mulher. Se preparam para ir à uma festa de aniversário. E são muito parecidos em personalidade. Calmos. Serenos. A mulher se demora a passar o batom enquanto o homem tranquilamente se ajeita no sofá a trocar os canais sem o menor interesse. Apenas esperando o tempo passar. Quando ela termina, pega o presente e chama o marido: Vamos? E chegam atrasados à festa. Ao contrário disso, a mulher borra a maquiagem assustada com o chamado ansioso do marido já perturbado: Anda logo, criatura! Ambos saem correndo, chegam na festa a tempo, mas esquecem o presente.

Já em outro caso a mulher calmamente se arruma enquanto o homem em agonia buzina da garagem com o carro já ligado. Ela pega o presente e ambos chegam a tempo na festa.

Que coisa!



Blumenau, 15/10/2007.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Cativantemente Falando

Eu frequento muitos bares. Bar é a parte fundamental do meu ócio perfeito. Tem gente que ocupa o ócio se preocupando, ou melhor, se interessando por vida alheia. Particularmente, me ocupo pensando, ou observando, acompanhado de minhas muitas cervejas e cigarros. Analiso pessoas, psicologicamente falando. Estas formosas senhoritas que me despertam o desejo de as desvendar e acordar seus anseios, defeitos e manias. (Dias atrás descobri que quando avistamos uma pessoa formosa temos o péssimo hábito de projetar nela aquilo que gostaríamos que fosse, e depois que a descobrimos, as vezes nos decepcionamos, nos magoamos, e como se não bastasse acabamos até mesmo colocando a culpa nela). Daria um excelente psicólogo, mas não sou altruísta o suficiente ao ponto de gastar meu cotidiano me ocupando com os problemas dos outros; ocupo-me com os anseios de meus chegados e isso é o bastante.

Observo a musicalidade de gente como Ana, o carisma de gente como Manu, e a simplicidade de gente como Gio, dono de meu bar predileto, o Kaffe Universitat, conhecido entre os amigos frequentadores como KU - fácil entender a carinhosa sátira. Falando neste bar penso em simplicidade; falando em simplicidade penso em Camila. Eis alguém essencialmente cativante. Me pede, no exato momento, um cigarro. Ofereço três, quatro e se precisar adquiro outra carteira para quando quiser mais, porque ela merece. Pense em um sorriso, um abraço capaz de renovar o dia de qualquer ser humano, talvez inclusive de não-humano. Sinceridade capaz de fazer mulherengo feito eu não pensar em segundas intenções. É de uma beleza formidável. Seu rosto fino, penteado moderno, tatuagens e o tipo de lábios perfeitamente delineados a dizer: "Você quer me beijar e eu sei disso". Mas ela não pensa como eu, não pensa como você. Pouco se importa. Vem à minha mesa, vai à mesa de outrém, dança MPB, conversa e cativa a todos aqui e acolá. Eis um extraordinário espírito a fazer bem aos demais. "Por favor, não me leve a mal", não quero que você me queira. Quero apenas que continue esta pessoa maravilhosa que tem sido desde o primeiro dia que a vi.

E que não seja hipócrita feito eu, que agora a desejo bruscamente.


Blumenau, 13/08/2008.

sábado, 9 de agosto de 2008

A Essência

Estranhamente, após um ano de cativeiro, novamente esta aflição interior me consome; a dor da alma. Lembro perfeitamente da última vez: estávamos eu e Ricardo - presenteado a mim como um dos irmãos postiços que tenho - sentados à mesa conversando sobre qualquer coisa, quando pagou-me um pastel. Sem razão alguma subitamente lágrimas começam a correr em meu rosto. Assim, como um espirro inusitado às vezes vem. É a dor do mundo que chegou ao ápice, até o ponto onde posso suportar.

Carregar o mundo nas costas não é uma tarefa fácil. O conhecimento e a consciência da essência humana ferem um grande espírito, principalmente em virtude do descaso que dela se faz, ou que talvez não seja percebida. A dor causada pela pressão exercida pela matéria nas profundezas de um oceano é a mesma sentida por filósofos a medida que se busca a profundidade de um pensamento, de uma causa.

Com esta concepção poderia eu já finalizar a idéia e estaria de bom tamanho. Mas partindo deste ponto existem tantas coisas a serem ditas que seria uma ofensa discursar a respeito em apenas uma crônica. Dariam um livro, e para isto seria necessário tempo. Este que penso não ter, pois fui abduzido pela forma de vida atual. Observo as pessoas indo e vindo na loucura de seus automóveis, nos ônibus, cada uma delas preocupadas com seus afazeres passageiros sem pensar em descobrir suas essências ou para que propósito vivem. Tenho tempo para escrever esta crônica até que acabe minha cerveja e então volto ao trabalho. Afinal, preciso do dinheiro para sobreviver. A leitora e o leitor que engulam suas essências mal-mastigadas.


Blumenau, 06/08/2008.

sábado, 2 de agosto de 2008

UMA VELA NA JANELA

Ora. O fim do ano. É chegada a hora de pegar caneta e papel e fazer a famosa listinha do que quer conquistar no próximo ano. E do que quer abandonar também.

Mas tem quem viva do passado. A adolescente que folheia o diário onde registrou todas as paixões do ano; algumas talvez ela nem lembre. O sábio chefe de lar reúne a família para uma retrospectiva, igual a da Globo. O presidiário que, deitado olhando o teto, entrelaça os dedos das mãos sob a nuca e relembra as mesmas coisas do ano passado. Seu Nestor, da loja de discos, todo ano coloca uma vela na janela e, ouvindo o solo de saxofone de "Long as I Can See the Light", relembra os shows do Creedence. Ele gosta de dizer que viajou mil e seiscentas milhas em um ônibus para chegar ao Woodstock de 69; e de como os americanos pronunciavam seu nome em paroxítona. Às vezes o chamo assim.

Essas listas podem ser extensas ou suprimidas. As extensas são cheias de coisas pequenas e funcionais que fazem o mundo andar, progredir, crescer. As suprimidas vêm com dois ou três itens capazes de mudar a história da humanidade. Há os que enfiam os pés pelas mãos e os que acreditam não serem capazes de muito. Entretanto, todos somos sonhadores.

Jovens universitários calculam quantas manifestações se é possível realizar em doze meses. Casais planejam unir-se em matrimônio. Idosos desejam tão somente morrer. Crianças prometem estudar bastante para não se dar mal no fim do ano, embora só o façam nos primeiros meses - depois o que mais importa são o recreio e as aulas de Educação Física. Homens trabalharão arduamente para terminarem a construção de suas casas. Artistas se sacrificarão para obterem sucesso - outros nem tanto pelo sucesso; artistas essenciais. Atletas ultrapassarão seus próprios limites. Cientistas e arqueólogos descobrirão. Espiritualistas livrar-se-ão da mente. E cristãos levarão a mensagem de Jesus Cristo, lembrado no domingo de Natal, esquecido da segunda-feira de trabalho.

Minha lista, porém, é um tanto estranha. Nem ao certo uma lista é. Pois é singular, singela, eu diria. A lista de um item, sem rodeios, seria: um beijo da brasiliense florianopolitana da voz de menina.



Publicada no Jornal de Santa Catarina. Blumenau, 28/12/2005.