domingo, 27 de julho de 2008

ANA

Fora apenas para retomar a brincadeira com os amigos que a cumprimentei, como faziam todos os rapazes a flertar quando uma bela senhorita resolvia dar o ar de sua graça. Mas o simples "oi" deu resultado à uma das maiores relações que já tive com qualquer moça. E tudo aconteceu tão rapidamente.

Começamos a nos corresponder e Ana logo de cara tornou-se um dos objetos que sustentam minha mania: a de estudar psicologicamente as pessoas. Detalhista e perfeccionista, porém, desorganizada e preguiçosa, com empenho apenas para cozinhar. E como adora! Sempre comendo. Magricela de ruim, a danada. Sempre querendo vencer em tudo, ser melhor, ser especial, ser única, embora não invista muito esforço para tal. As vezes sua obsessão (ou "obcessão", também poderia ser, e não o é pois nossa língua é de uma burrice descomunal. Mas isso é coisa nossa) beira o ridículo e a faz parecer patética. Nessas ocasiões ponho em mim um sorriso circunspecto no rosto e penso em como ela fica bonita quando implora por um agrado. E eu dou.

Em nossas primeiras conversas logo pude notar o quanto ela se identificava com Andreas, guitarrista de minha banda, a quem trato como irmão. Listei suas melhores qualidades, embrulhei pra presente com cuidado e pus-me a ajudar o cupido. Apresentei a ele, por primeiro, um vídeo que mostrava os alvos que Ana acertava com chumbinho a mais de 20 metros de distância; e dentre eles um grampo de roupa preso ao varal. Andreas é fascinado por armas de fogo, exército, guerras, destruição e todas essas coisas desprezíveis que faz do ser humano o ser inteligente mais burro que pisa na face da Terra. E ele a desdenhou, sabe-se lá por qual razão - talvez por atirar melhor, penso.

Mas continuei em meu esforço. Uma foto de Ana, de costas, mostrando seu lindo corpo esguio empunhando um rifle de calibre 12 possivelmente o faria cair da cadeira! Entretanto, nada. Em minha última cartada uma belíssima foto em que ela joga os cabelos. Tão sedutor quanto um comercial de xampu: "Não é tão bonita assim...", faz descaso. Bom, minha vontade era socá-lo, mas pensei em algo melhor. Depois de alguns minutos até resolveu perguntar quem era a moça mas já era tarde. Eu já queria que ele fosse tomar banho na soda. Nada mais apropriado conquistá-la e o fazer morrer de inveja. Isso o faria aprender a nunca mais tratar uma dama deste modo.

A beijei no dia 25 de junho, e não poderia ter recebido melhor presente. Detesto todos os meus aniversários, inclusive os que estão por vir. Não dou a mínima. No ano passado só fui lembrar que estava de aniversário ao colocar a data numa crônica, a caminho do trabalho. Presenteei a mim mesmo com minha crônica favorita em todos esses anos escrevendo. Será ótimo lembrar deste dia no ano que vem. Parecíamos tão adolescentes naquele ponto de ônibus que chegaram a comentar em elogios.

Começamos, então, a nos apegar. Ana hoje diz que em 2 meses ultrapassei seus ex-namorados em intimidade. Me faz sentir tão especial que esta foi apenas a segunda vez que escrevi uma crônica já sabendo qual seria seu título, o que também a torna especial. Mas isso nos trouxe medo. Ela havia recém saído de um namoro de 3 anos e pretendia apenas se divertir um pouco, vendo em mim uma possibilidade de conseguir isso mantendo, no mínimo, uma boa dose de amor próprio. Quanto a mim, sequer preciso falar. Nasci para ser solteiro e morrerei solteiro. Sou um romântico, um cavalheiro, as mulheres não gostam disso. Sou um admirador do sexo feminino e amo as mulheres. Pertencer à uma só mulher seria como ouvir uma música de apenas um acorde. Me vejo como um refúgio onde as mulheres vêm e vão e não tenho problema algum com isso. Recebem sua quantidade necessária de carinho e atenção e então voltam para seja lá o que for que as atrai nos outros homens.

Quando conseguimos uma oportunidade, Ana e eu nos resolvemos como pessoas adultas e o peso do medo de magoar ao outro nos foi tirado das costas. Esse medo vem do imenso carinho que sentimos um pelo outro. Somos de uma curiosidade tão grande que sequer nós mesmos conseguimos conceituar. Vamos desde o auge do prazer sexual em fazer coisas que nunca fizemos com outros a chorar de emoção quando disse que ela é "especial pra mim por todo o conjunto da obra. Desde suas qualidades mais discretas até seus defeitos mais marcantes". Gosto de como ela confia em mim e de quando ela quer me agradar. Como quando usou uma roupa sensual no dia de nosso show porque eu era digno de andar pra lá e pra cá com uma mulher linda - adoraria ter visto a cara de Andreas quando ela chegou se conseguisse tirar os olhos de suas curvas. Mas gosto também de cuidar dela e de como nos desentendemos a todo tempo. Eu e Ana somos assim: solteiros. Mas nós colocamos a Promiscuidade em xeque.


Blumenau, 27/07/2008.

sábado, 26 de julho de 2008

O ENCONTRO

- Oi!
- Oi...
- Você vem sempre aqui?
- Essa é velha, hein?
- É! Realmente. Mas o que você sugere que eu diga? Queria te conhecer.
- Bom, tenho que admitir. Também não consigo pensar em outra coisa mais apropriada.
- Sim, ainda mais num ambiente conturbado como esse. É difícil pensar.
- Ah, gosto daqui.
- Sim, claro, eu também. Não foi isso que quis dizer. Sei lá, quis dizer que não sei muito bem como agir aqui.
- Pega uma vodka e fica zanzando.
- É isso que faço geralmente. Fico cumprimentando os conhecidos e tudo o mais. Mas parece tão fútil.
- Se você diz.
- Você fica sempre aqui? Sentada no balcão?
- Ultimamente. Não tô muito legal.
- Tô incomodando você?
- Não, não.
- Se quiser eu posso ir...
- Não, cara! Volta e senta aí que eu gostei de você.
- Como assim?
- Ah... não gostei, gostei! De gostar. Não é o que você tá pensando.
- Não tô pensando nada.
- Tá, só achei que tivemos uma afinidade, entende?
- Sei do que você tá falando.
- Então. Nem sei porque tô falando com você. Sou bastante fechada.
- Sei como é. As vezes aparece um maluco que a gente se identifica. Vai saber se vamos nos tornar grandes amigos daqui pra frente.
- Pois é.
- Hm... sem querer ser intrometido...
- Larga essas frescuras de educação: desembucha aí, vai. Vamos conversar.
- Tá! Você tá bolada com o quê?
- O de sempre.
- Um cara, né?
- Um cachorro!
- O que rolou?
- Me trocou por uma sirigaita.
- Sirigaita. Engraçado, fazia tempo que não ouvia esse termo.
- Sim! Eu aqui contando meus problemas pra um cara que nem conheço e você pensando em dialeto dos anos 80?!
- Desculpa. Calma. Não vamos ter nossa primeira briga já. Fazem dez minutos que nos conhecemos.
- É, tem razão. Estou um pouco alterada, na verdade. Desculpa!
- Não tem problema. Isso tá te abalando mais que o normal?
- Acho que sim. Não tá sendo muito fácil.
- Eu... posso te abraçar?
- Cara, fazem dez minutos que nos conhecemos!
- É verdade. Só achei que fosse te fazer bem.
- Na verdade faria, mas você só tá querendo me levar pra cama.
- Agora fiquei ofendido!
- Ai! Desculpa de novo. Eu sou uma burra!
- Não, não é. É bom que você pense assim porque tenho que admitir: não se fazem homens como antigamente.
- Mas você não é de antigamente.
- Bom, minha mãe que diz isso!
- Tolinho!
- Seu sorriso é lindo! No início você foi tão grossa que logo arrumei uma desculpa pra ir embora. Sorte que você me puxou de volta.
- Cachorro! Eu pensei que você estava sendo educado!
- Eu pensei que você não seria tão grossa. E "de nada"!
- Ajo assim pra espantar os chatos. Os caras do "você vem sempre aqui?".
- Deus do céu. Nunca mais vou dizer isso na minha vida.

...
- Você é tão diferente dos outros.
- Hã? Por quê diz isso?
- Sei lá. Vejo pelos seus olhos.
- É a primeira vez que alguém diz isso.
- Mas já devia saber. Você mesmo se enquadra numa posição diferente, tratando-os por "eles". Você não se inclui.
- É, na verdade não consigo ter atitudes parecidas com as deles.
- Que tipo de atitudes?
- Ah! Não sei, é muito relativo. Talvez pelo próprio modo de agir mesmo. As conversas típicas sobre mulheres; a perfeita combinação entre carros e cerveja; receber centenas "daqueles" e-mails... nunca recebo nenhum deles. Essas coisas não combinam comigo.
- Viu? Eu disse.
- Uma vez pensei que fosse gay...
- Credo!
- ... mas minha certeza vem da vontade enorme de te dar um beijo agora mesmo.
- Ai...
- Desculpa. Eu não devia ter dito isso.
- Não é isso!
- Que foi?
- É que parece que encontrei o cara mais perfeito do mundo. Acho que se fosse pra rolar algo entre a gente não poderia ser assim. Nem aqui.
- Por quê?
- Ah, tinha que ser na beira da praia, olhando o luar.
- Acho que você anda vendo muita novela.
- Não gosto de novela. Só que tinha que ser um lance mais especial.
- Levanta, então! Vem aqui comigo.
- O que você vai fazer? Ai, meu Deus...

...
- Então. O que você acha?
- Hm, essa não é uma música pra dançar juntinho, mas você tá realizando o sonho da minha vida!
- Esquece essa música.
- Já não penso mais nela, nem nesse lugar, nem nessas pessoas.
- Não é maravilhoso?
- Você é maluco, mas eu nunca havia sentido isso antes.
- Isso é paixão, querida.
- Eu pensei que ela vinha antes disso tudo.
- Uma das mentiras do mundo.
- Nem acredito que isso tá acontecendo!
- Isso é porque ainda não nos beijamos...

...
- Obrigada por essa noite. Foi maravilhosa.
- Eu disse que você precisava de carinho.
- Será que posso ter esse carinho por mais tempo?
- Era tudo o que eu queria ouvir! Vamos. Levo você pra casa.
- Só tem uma coisa!
- Que foi?
- Qual é mesmo seu nome?
- Haha.. Alexandre. E o seu?
- Carla.
- Isso foi... estranho, eu diria.
- Mas muito interessante. Em menos de uma hora conseguimos uma história pra contar pro resto da vida.
- O que? Você já quer casar?
- Engraçadinho.
- Você é linda, sabia?
- Você que é!
- Fala sério! A primeira coisa que vamos fazer é comprar óculos pra você...
- Te amo...


Indaial, 17 de agosto de 2005.

sábado, 19 de julho de 2008

Criciúma

A poluição da fumaça cobria o horizonte ao passar pela área industrial. Assustava minha opinião a respeito de Criciúma, enquanto me aproximava da cidade. Mesmo dentro do carro, com as janelas fechadas, meus olhos começaram a arder. Julgava ser consequência de minha noite mal-dormida com apenas 1 hora de sono - ou cochilo, até que a irritação passou também para as cordas vocais.

- Estes empresários deveriam ir em cana! - exclama meu bom velho seu repúdio.

Entendo que uma digna folga financeira para os filhos de seus filhos seja importante, mas é um princípio conturbado, visto que tanto se fala hoje em dia sobre aquecimento global. Seria pedir demais que se preocupassem também com os filhos de meus filhos?

O cenário começa a amenizar quando entramos em Içara. Mais ainda porque a cidade me recorda a amável e sedutora Priscila; uma senhorita de expressão cativante por quem criei rapidamente singelo afeto. Lembra também sua irmã, que surpreendentemente é tão rude quanto o vingativo Corisco - como afirma a própria, mas a lembrança de "Miéia" é uma lembrança divertida.

Chegando em Criciúma foi fácil até demais achar o Della Giustina, local onde combinei o reencontro com Michelle, amiga que não vejo há cerca de 6 ou 7 anos... Eu não poderia ser mais desnaturado com uma pessoa tão especial. Logo tratei de avisá-la de minha chegada e, posteriormente, à Suelen, que somente existiria através da fé, pois é inconcebível que alguém possa ter tantos minuciosos detalhes em comum comigo.

Avisadas minhas pessoas mais queridas é hora de dar um giro e conhecer o ar da cidade, sua essência, sua coisa-em-si. Ao sair do Della Giustina despenco, como um presente da causalidade, na praça Nereu Ramos: o coração de Criciúma. É aqui que trabalha todos os dias Passarinho; e é a ele que preciso entregar o abraço do Lagarto transformando a praça em um zoológico. De Blumenau à Criciúma os hippies possuem, na abstinência da luxúria, uma beleza que poucos enxergam no ir e vir da propensão ao consumismo local, tornando-se em verdadeiros andarilhos do capitalismo. Com exceção daquela doce garotinha que ainda não aprendeu a caminhar com elegância e não sabe que tem lindos olhos azuis. A meiguice da imagem é indescritível.

O clima não poderia ter outro adjetivo senão perfeito. O calor do dia ensolarado equilibra a baixa temperatura da época, tornando o ambiente limpo e suave com a música italiana ao fundo. Esta manhã não poderia ser tão ideal para um apreciador do frio que vive em Blumenau: verdadeiro inferno tropical. Motivo talvez pelo qual a cidade tenha se tornado um antro de amantes do chopp. Tanto que me senti forçado a sentar no bar central da praça quando observei todas estas mesas e cadeiras postas propositalmente com a pretensão de me convidar quando chegasse à cidade. Gostaria que estivessem aqui também Júlia, Tiago, Frank, Samira, Marquinhos e Alice. Tenho a sensação de que pertenço aqui. Em função da madrugada de sexta, suponho que o sábado sequer tenha começado para eles. O meu mal começou, mas, para alguém que tanto admira as coisas simples da vida, já teria valido muito a pena.


Criciúma, 19/07/2008.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A Bela Boemia

A Boemia tem incrível beleza. Tantas vezes criticada e açoitada por aqueles que ficam até tarde no trabalho esperando receber aquela promoção ou aumento que mais parece uma novela; e muitas vezes até um mito. Gente que diz que o trabalho dignifica o homem. Eita, engano!

Veja essas pessoas e suas conversas. Algumas expressões sérias de quem está compenterado no assunto. Certamente que discutem sobre história da humanidade, de onde viemos, para onde vamos. As vezes não assim tão abrangente. Pode ser que aconselham amigos a resolver um certo problema banal, entre um gole e outro de cerveja.

Falam sobre como vão concluir aquele trabalho de faculdade, sobre o que vão fazer da vida num futuro próximo, sobre abrirem juntos um novo negócio; sobre o relacionamento com a namorada ou o que fazer a respeito do vocalista da banda que não se empenha em decorar as letras dos covers e só quer saber de "pegar" as menininhas e se afundar na depressão. Estas sim são coisas que dignificam o homem. Boêmios discutem e filosofam; boêmios são grandiosos!

Mas existem aqueles que só jogam conversa fora e se afogam com cigarro ao não suportar a gargalhada. E são belos assim. Até os que julgam afirmam que o sorrir embeleza o rosto. Sem sombra de dúvida que amanhã pela manhã terão um dia mais gostoso e que virão com boas histórias pra contar. Executarão com mais tranquilidade e humor suas tarefas do dia-a-dia. E ainda farão com que seja mais agradável a vida dos coitados e pobres gananciosos que buscam a tal da promoção. Daqui a dez anos eles ainda estarão desfrutando da vida que lhes foi presenteada. Serão empresários, músicos talentosos, pessoas de bem, que fazem bem a outrém. Enquanto aquela promoção não chega.

E como bons boêmios que são, serão escritores também.


Blumenau, 23/03/2007.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Terceiro grau: conta?

Por que será que as coisas mais loucas que se possam imaginar têm sempre que acontecer comigo?

Era natal. Não estava gostando nem um pouco da idéia de ter que encontrar novamente todos os meus parentes. Levava comigo, no caminho, a absoluta certeza de que seria algum tipo de atração bizarra em meio aos calças-apertadas. A reunião anual que o tio Nate promovia haviam três anos começava a funcionar como uma reunião de verdade. Sim, porque antes ninguém prestigiava, exceto a família esquisita dele.

Cheguei e me aconcheguei num banco fora da área onde a bagunça seria generalizada. Enquanto o povo chegava me olhando atravessado, minha única atração e ocupação era um tedioso jogo de celular. Foi quando a coisa toda se fez:

- Quem é aquele moço sentado ali?
- É o mais velho da Luciane.
- Não acredito!

Na verdade eu não sou "o mais velho da Luciane". Mamãe casou-se novamente e agora tenho três irmãs e um irmão. Mas eles insistem em tratar dessa forma. Não digo nada disto.

Durante esse tempo ainda não tinha olhado nada nem ninguém. Quando alguém sem um pingo de noção parava a minha frente com cara de quem se sentia a pessoa mais abençoada pelo nascimento de Cristo, as fazia voltar a realidade apenas com o olhar. Eu parecia uma "segunda-feira".

Quando me bateu uma compaixão pela imagem da minha família decidi "fazer um social". A primeira coisa que notei foi um olhar. Um olhar diferente. Tinha um ar de indagação. Mas parecia haver algo a mais. Ela me olhava seguidas vezes sem muito rodeio. Era direta e nada discreta. Ah, e como gosto das moças de atitude, decididas. Só queria então saber qual dos almofadinhas ali era o namorado dela. Não podia ser parente minha; nunca a tinha visto antes. Mas foi-se demorando para um daqueles intelectuais sentar-se ao lado dela. Já havia notado três anéis de prata nos dedos da mão direita: "Talvez aquela seja aliança, ou talvez ela apenas goste de anéis de prata". E sim, ela gostava de anéis de prata.

Ficamos trocando olhares mas não tinha coragem de me achegar e conversar. Não sou nada talentoso para tais coisas. Bem, sei conversar, mas galantear é diferente. Tem gente que é artista nisso.

Luzes apagadas, velas foram acendidas, e formamos um círculo de mãos dadas pra cantar o Hino da Família; aquela música: "Abençoa Senhor as famílias amém, abençoa Senhor a minha também...", e por aí vai. A expressão de espanto dela quando notou que eu sabia cantar a canção foi impagável. Não parece tão cômico, mas um jovem "comemorando" o nascimento de Cristo vestindo somente preto e camisa de banda de metal cantando esse hino... Não preciso dizer mais nada.

Ela era linda. Tinha longos cachos muitíssimamente bem cuidados; e eles eram constantemente acariciados pelas mãos graciosas e delicadas daquela mocinha. Estatura perfeita e um sorriso fascinante, querido e simpático; este, acredita, seja seu maior dom. Ela continuava apenas observando os acontecimentos ao redor e rindo. Estava se divertindo bastante, se sentindo tão bem, e me fazendo sentir bem. Até que minhas irmãzinhas inventaram de cantar umas músicas. Foram lindas, mas me armaram uma forca.

- Andryo! Vem cá rapaz, canta umas músicas pra gente! - disse meu tio entusiasmado.

A casa caiu. Um arrepio me correu da cabeça aos pés. Quando tio Nate me chamou ela virou-se rapidamente para mim com uma expressão de surpresa, como se estivesse se perguntando: "Ele canta?". Mas, quando minha testa franziu os olhos dela riam de mim. Um típico: "Essa eu quero ver!". E estava mesmo pagando pra ver, a danada.

Dali caminhei feito suíno em destino do matadouro. Tenho tocado muito piano ultimamente, mas havia apenas um teclado. A diferença é visível. Sem falar que não tinha pedal de "sustain", que é um componente do piano que, quando pressionado, libera as cordas dando continuidade ao timbre. Esse pedal existe disponível em versão eletrônica para teclados. Pergunte a qualquer pianista se consegue tocar sem isso. Parece droga: depois que usa, vira escravo.

Dei sorte! Estava afinadíssimo naquela noite. Soltei o verbo em "What if a Stumble", do DC Talk, uma de minhas músicas favoritas para piano. A coisa toda rolou meio constrangedora mas me virei. E então, chegava a hora de partir. Ah, nada me tiraria a vontade de ficar. Queria permanecer na presença dela até o último segundo. Queria ser levado à alvorada e com ela ouvir os pássaros que cantam agora e me presenteiam o nascer do sol. Tinha que arranjar um meio de ficar.

Mesmo já dentro do carro a caminho do destino não desisti, como de costume:

- Me deixam voltar depois de vermos a vó?
- O quê?
- É, até que estava gostando de ficar por lá.
- Eu não acredito nisso! A gente te leva lá.

Eu tinha certeza de que a intenção real dela é de que eu me misturasse com o bando de boa-pinta, mas de onde surgiu tanta bondade, não sei. Era natal, vai saber!

E mais espanto! Faltou beliscar-se quando viu que eu estava de volta. Mas não, não fui falar com ela. Me desculpem, mas vai ser muito difícil me ver um dia galanteando.

Seus pais levantam-se juntos. Começa o cerimonial de despedida. Ela fica sentadinha e eu começo a ficar nervoso. Quando se levanta entro em pânico! Fico parado no mesmo lugar sem sequer piscar. Ela havia me deixado completamente dependente. Minha estabilidade dependia de que ela permanecesse lá onde estava.

Ela se despede de todos e termina no meio do local, perdida, sozinha. Eu lá, estático! É quando ela olha pra mim e seus lindos cachos flutuam como nos filmes, sorri, e começa a caminhar em minha direção. Pânico! De tão arregalados os olhos, minhas sombrancelhas esconderam-se debaixo do boné. Ela é tão linda! Me concentrei e até consegui executar uma ação: sorrir. Se bem lembro demoraram-se três minutos para ela chegar: meu delírio continuava e eu ia analisando cada curva do corpo dela.

- Oi!
- Hã?! Oi! - acordo - Tchau, né?
- Pois é!

E ela me beija o rosto. O fez com tanta delicadeza, mas o que acontecia por dentro de mim não era nada delicado. Tive duas convulsões por ensolação quando surfava, mas não se comparam com o caso. Euforia, adrenalina, disparo do batimento cardíaco, perda dos reflexos e outras consequências mais que não consigo explicar. Talvez seja ousadia, mas arrisco dizer que ela não percebeu os "acontecimentos", ou fui eu quem não percebi as reações dela, porque não conseguia me desprender daquele sorriso.

Enfim, mudando de século XXI para pré-história, por estas e outras, minha lista de acontecimentos freaks ganha um novo item: fiquei perdidamente apaixonado por minha prima de terceiro grau.


Balneário de Barra do Sul, 26/12/2003.

terça-feira, 8 de julho de 2008

10 Segundos

Foi uma imagem surpreendente de tão magnífica. Prendeu-se à minha memória, e a lembrança me presenteava bem-estar sempre que pulava para meus momentos de ócio, sentado à qualquer mesa de bar ou assistindo, despercebido, pela janela, o mundo lá fora. Alguma vez na vida você já se apaixonou e sentiu algo belo assim. Era uma sensação semelhante.

Ocorreu a muito tempo atrás, mas lembro como se estivesse acontecendo agora mesmo. Estava em uma das mesas da cafeteria, no shopping, com uma xícara de expresso posta à mesa e me deliciando com crônicas de Rubem Braga; o livro tinha aquele característico aroma de recém-adquirido. Jurava que a doçura do momento não podia alcançar pico mais alto, entretanto, a mágica do acaso me forçou, sem razão alguma, a retirar os olhos da leitura. Então passei a ler outra obra de arte.

Quando surgiu no plano o mundo só não parou porque ela fica mais deslumbrante em slow motion. Posso arriscar dizer que a surpresa em presenciar a cena se equipara ao dia em que abri os olhos em 1984 para pela primeira vez contemplar as novidades do mundo - jamais havia presenciado tamanha beleza. Suas pernas longas e finas entrelaçavam-se num andar majestoso, digno de se abrir um corredor humano para seu passar. Facilmente pode-se imaginar alguém prepotente e altivo quando se lê o descritivo, mas bem sabem todos que isto causaria repulsa no caro Andryo, adorador das coisas singelas e bonitas da vida. Seus grandes e lindos olhos contemplavam o todo, como se apenas por não se importarem tivessem todo o controle dos acontecimentos a seu redor. Isso sem falar no sorriso circunspecto e satisfeito que instigava as pessoas a desejarem ser aquela senhorita fascinante.

Então ela me olhou nos olhos, desconsertou o que restava de minha noite - e de mim - e se foi. Permaneci por alguns minutos ainda ali, perplexo e sem ação, forçando meu entendimento a tentar compreender como ela conseguira em 10 segundos abalar a alguém tão seguro, mas não obtive sucesso. Talvez porque ela é a única que tem uma manchinha no olho.


Blumenau, 08/07/2008.

domingo, 6 de julho de 2008

Elas

Fazia tanto tempo que não a via de rabo-de-cavalo. Ela estava linda hoje, mais que nunca. Mesmo com toda a simplicidade da sua blusa de escola. Uma roupa nunca cai tão bem em uma menina como seu uniforme de escola. Mostra sua beleza verdadeira. Nada daquela coisa de arremessar na cara quilos de uma infinidade de cremes, hidratantes, bases, pó disso, pó daquilo.

Sabem que já existem até definições para tipo de rosto? Vale maquiagem pra rosto quadrado, redondo, triangular e oval. Como saber se um rosto é redondo ou oval?

Existem umas expressões estranhas que só as mulheres conhecem: cabelos médios, cabelos cortados em camadas, fio reto, franja farta. As singelas bochechas são chamadas de maçãs do rosto. Alergia agora é dermatite de contato! Por que será? Dessas coisas não sei nada. Queria olhar pra uma moça na rua e saber que o cabelo dela é cortado em camadas. Sem falar nos termos: sílice, ginkgo biloba, ruge, sulcos, eczema seborreico! Deve ser muito difícil ser mulher.

Privilégio ainda maior tem a moça que consegue ser linda ao acordar. Esses tempos dormi na casa de amigo meu cuja irmã estuda na mesma faculdade que eu. Imagine a surpresa que teve quando me viu sair do quarto enquanto passeava pela sala com toalha e xampu na mão e os cabelos todos emaranhados:

- Que tais fazendo aqui?
- Bem - disse esfregando os olhos - acordando, acho.
- Morro e não vejo tudo.
- Eu que o diga...

E pior - para nós homens, é claro - é que fazem tudo isso para elas mesmas! Nenhuma moça se arruma, propriamente, para nos impressionar. Saem todas cheias de parafernálias e é tudo para deixar a amiga morrendo de inveja. Pretensiosas! Enfim, o bom - para nós homens, é claro - é que todo esse esforço e vaidade delas, no fim das contas, vale muito a pena!



Blumenau, 01 de outubro de 2003.