segunda-feira, 14 de julho de 2008

Terceiro grau: conta?

Por que será que as coisas mais loucas que se possam imaginar têm sempre que acontecer comigo?

Era natal. Não estava gostando nem um pouco da idéia de ter que encontrar novamente todos os meus parentes. Levava comigo, no caminho, a absoluta certeza de que seria algum tipo de atração bizarra em meio aos calças-apertadas. A reunião anual que o tio Nate promovia haviam três anos começava a funcionar como uma reunião de verdade. Sim, porque antes ninguém prestigiava, exceto a família esquisita dele.

Cheguei e me aconcheguei num banco fora da área onde a bagunça seria generalizada. Enquanto o povo chegava me olhando atravessado, minha única atração e ocupação era um tedioso jogo de celular. Foi quando a coisa toda se fez:

- Quem é aquele moço sentado ali?
- É o mais velho da Luciane.
- Não acredito!

Na verdade eu não sou "o mais velho da Luciane". Mamãe casou-se novamente e agora tenho três irmãs e um irmão. Mas eles insistem em tratar dessa forma. Não digo nada disto.

Durante esse tempo ainda não tinha olhado nada nem ninguém. Quando alguém sem um pingo de noção parava a minha frente com cara de quem se sentia a pessoa mais abençoada pelo nascimento de Cristo, as fazia voltar a realidade apenas com o olhar. Eu parecia uma "segunda-feira".

Quando me bateu uma compaixão pela imagem da minha família decidi "fazer um social". A primeira coisa que notei foi um olhar. Um olhar diferente. Tinha um ar de indagação. Mas parecia haver algo a mais. Ela me olhava seguidas vezes sem muito rodeio. Era direta e nada discreta. Ah, e como gosto das moças de atitude, decididas. Só queria então saber qual dos almofadinhas ali era o namorado dela. Não podia ser parente minha; nunca a tinha visto antes. Mas foi-se demorando para um daqueles intelectuais sentar-se ao lado dela. Já havia notado três anéis de prata nos dedos da mão direita: "Talvez aquela seja aliança, ou talvez ela apenas goste de anéis de prata". E sim, ela gostava de anéis de prata.

Ficamos trocando olhares mas não tinha coragem de me achegar e conversar. Não sou nada talentoso para tais coisas. Bem, sei conversar, mas galantear é diferente. Tem gente que é artista nisso.

Luzes apagadas, velas foram acendidas, e formamos um círculo de mãos dadas pra cantar o Hino da Família; aquela música: "Abençoa Senhor as famílias amém, abençoa Senhor a minha também...", e por aí vai. A expressão de espanto dela quando notou que eu sabia cantar a canção foi impagável. Não parece tão cômico, mas um jovem "comemorando" o nascimento de Cristo vestindo somente preto e camisa de banda de metal cantando esse hino... Não preciso dizer mais nada.

Ela era linda. Tinha longos cachos muitíssimamente bem cuidados; e eles eram constantemente acariciados pelas mãos graciosas e delicadas daquela mocinha. Estatura perfeita e um sorriso fascinante, querido e simpático; este, acredita, seja seu maior dom. Ela continuava apenas observando os acontecimentos ao redor e rindo. Estava se divertindo bastante, se sentindo tão bem, e me fazendo sentir bem. Até que minhas irmãzinhas inventaram de cantar umas músicas. Foram lindas, mas me armaram uma forca.

- Andryo! Vem cá rapaz, canta umas músicas pra gente! - disse meu tio entusiasmado.

A casa caiu. Um arrepio me correu da cabeça aos pés. Quando tio Nate me chamou ela virou-se rapidamente para mim com uma expressão de surpresa, como se estivesse se perguntando: "Ele canta?". Mas, quando minha testa franziu os olhos dela riam de mim. Um típico: "Essa eu quero ver!". E estava mesmo pagando pra ver, a danada.

Dali caminhei feito suíno em destino do matadouro. Tenho tocado muito piano ultimamente, mas havia apenas um teclado. A diferença é visível. Sem falar que não tinha pedal de "sustain", que é um componente do piano que, quando pressionado, libera as cordas dando continuidade ao timbre. Esse pedal existe disponível em versão eletrônica para teclados. Pergunte a qualquer pianista se consegue tocar sem isso. Parece droga: depois que usa, vira escravo.

Dei sorte! Estava afinadíssimo naquela noite. Soltei o verbo em "What if a Stumble", do DC Talk, uma de minhas músicas favoritas para piano. A coisa toda rolou meio constrangedora mas me virei. E então, chegava a hora de partir. Ah, nada me tiraria a vontade de ficar. Queria permanecer na presença dela até o último segundo. Queria ser levado à alvorada e com ela ouvir os pássaros que cantam agora e me presenteiam o nascer do sol. Tinha que arranjar um meio de ficar.

Mesmo já dentro do carro a caminho do destino não desisti, como de costume:

- Me deixam voltar depois de vermos a vó?
- O quê?
- É, até que estava gostando de ficar por lá.
- Eu não acredito nisso! A gente te leva lá.

Eu tinha certeza de que a intenção real dela é de que eu me misturasse com o bando de boa-pinta, mas de onde surgiu tanta bondade, não sei. Era natal, vai saber!

E mais espanto! Faltou beliscar-se quando viu que eu estava de volta. Mas não, não fui falar com ela. Me desculpem, mas vai ser muito difícil me ver um dia galanteando.

Seus pais levantam-se juntos. Começa o cerimonial de despedida. Ela fica sentadinha e eu começo a ficar nervoso. Quando se levanta entro em pânico! Fico parado no mesmo lugar sem sequer piscar. Ela havia me deixado completamente dependente. Minha estabilidade dependia de que ela permanecesse lá onde estava.

Ela se despede de todos e termina no meio do local, perdida, sozinha. Eu lá, estático! É quando ela olha pra mim e seus lindos cachos flutuam como nos filmes, sorri, e começa a caminhar em minha direção. Pânico! De tão arregalados os olhos, minhas sombrancelhas esconderam-se debaixo do boné. Ela é tão linda! Me concentrei e até consegui executar uma ação: sorrir. Se bem lembro demoraram-se três minutos para ela chegar: meu delírio continuava e eu ia analisando cada curva do corpo dela.

- Oi!
- Hã?! Oi! - acordo - Tchau, né?
- Pois é!

E ela me beija o rosto. O fez com tanta delicadeza, mas o que acontecia por dentro de mim não era nada delicado. Tive duas convulsões por ensolação quando surfava, mas não se comparam com o caso. Euforia, adrenalina, disparo do batimento cardíaco, perda dos reflexos e outras consequências mais que não consigo explicar. Talvez seja ousadia, mas arrisco dizer que ela não percebeu os "acontecimentos", ou fui eu quem não percebi as reações dela, porque não conseguia me desprender daquele sorriso.

Enfim, mudando de século XXI para pré-história, por estas e outras, minha lista de acontecimentos freaks ganha um novo item: fiquei perdidamente apaixonado por minha prima de terceiro grau.


Balneário de Barra do Sul, 26/12/2003.

6 comentários:

Dani Moscatelli disse...

uhahuahuahau Afe piá, eu teria ido lá puxar assunto, CERTEZA.

Mas veja pelo lado positivo, ta tudo em família ;P

Boa sorte na conquista =*********

Andryo Dias disse...

Gente isso foi em 2003! hahaha... E é claro que eu não tentei nada. Minha prima, po. hehehe

Unknown disse...

Mais um que não consegue chegar na pessoa. É dificil mesmo, seus pés ficam colados no chão e as palavras fogem. E mais um que usa preto, camisa de banda em pleno natal quando todos estão arrumadinhos e olham torto para os que não 'se encaixam' muito bem neste perfil. Quem nunca se apaixonou por um parente distante? rs

Maria Clara da S. Dallagnolo disse...

Essas primas...
Barra do Sul é realmente um lugar inexplicável, tedioso e tranqüilo, rs. Adorei a crônica *-*

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Dentre as milhares de crônicas muito bem sucedidas do Sr.Andryo Dias, a minha, pra mim, ainda é a melhor, porque foi uma surpresa, engraçada, mas foi.E prque não dizer que foi bom???
Vai ficar marcado este dia pro resto de nossas vidas né primo Andryo??!!
Te adoro demaaaaiiiiissss....
bjs.

Anna Garcia